segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Um século Injustiçado

Por: Davi Coimbra


Faça uma experiência antropológica. Perca um pouco do seu tempo e “navegue”pela internet. Assista ao que é mais assistido e leia o que é mais comentado nas chamadas "redes sociais”. Você ingressará em um mundo sombrio, uma espécie de pré-humanidade, onde não interessa o conteúdo, onde não existe reflexão, o que importa é a sensação. O que vinga é a velocidade e a superficialidade. O que faz sucesso faz sucesso apenas porque faz sucesso.


Pergunta: por que milhões de pessoas acessaram o tal vídeo da "Luíza está no Canadá”?


Resposta: porque milhões de pessoas acessaram o tal vídeo da "Luíza está no Canadá”.


As pessoas se ofendem por causa de times de futebol, descobrem conspirações políticas embaixo de cada acento circunflexo e tecem interpretações de texto que independem do que está escrito. É como se o homem tivesse descido um degrau da escada evolutiva, como se tivesse sido rebaixado de nível. Você se perguntará o que está acontecendo com as pessoas, jogará suas mãos para o céu e bradará:


– Senhor! Em que valhacouto de semianalfabetos se transformou o século 21?


Mas você estará errado. Estará cometendo uma injustiça com o século 21. O século 21 não trouxe mudança alguma. Por um motivo rasteiro:


Porque as pessoas sempre foram assim. Eis uma das obras mais admiráveis da internet: a exposição do lado obscuro do homem comum. Com a internet, as pessoas estão desprotegidas de suas próprias opiniões. Elas tornam público o que pensam sem nenhum filtro, muito menos o da própria reflexão. Antes do advento da internet, não eram muitos os indivíduos vitimados por suas opiniões. Expunham-se alguns jornalistas, alguns artistas e algumas "autoridades”. Só esses propalavam bobagens em público. O mundo parecia mais sensato. Não pela qualidade; pela quantidade.


Mas a tecnologia das comunicações foi se sofisticando. No fim do século 20, com a facilidade da interatividade, leitores não apenas liam, escreviam; ouvintes não se contentavam em ouvir, queriam falar; telespectadores não se limitavam a assistir, faziam tudo para aparecer. E, por fim, a internet surgiu e, numa ânsia de se expressar, todos passaram a falar, a escrever, a dançar, a cantar, a declamar, a discursar, a representar e a propagar suas ideias. Todos têm ideias, uma tragédia. Assim, o mundo do século 21 parece ter se transformado num lugar infestado de idiotas. Ilusão. A diferença é que antes as pessoas estavam protegidas pelo silêncio.


E esse é o grande ensinamento a se tirar disso tudo: o silêncio é uma bênção. O silêncio protege. Portanto, não repita bordões da internet, não tente ser sábio em 140 toques, não publique intimidades no Facebook. Fique quieto. Você parecerá mais inteligente.


* Texto publicado na Zero Hora de ontem, 03/02/2012.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Todos os comentários passam por moderação e caso não enquadrarem-se na política de comentários serão rejeitados.

De maneira alguma será uma forma de barrar a participação dos leitores, mas sim como ja foi dito, de manter um debate de alto nível. Caso tenha dúvida consulte a Política de comentários.

Ao escrever, pense como se o proprietário do blog. E que você pode ser responsabilizado judicialmente pelos comentários.

Mesmo assim, antes de comentar, procure analisar se o seu comentário tem realmente algo em comum com o assunto em questão.

Obrigado e não deixe de comentar.